sexta-feira, abril 28, 2006

Dentro ou Fora?

Onde está a sua capacidade de frémito? Dentro ou fora?

Existe um sistema bem escondido no coração do cérebro e que se chama de sistema de activação reticular. É aqui que se decide qual o nível médio de actividade cerebral: alto ou baixo.

Aqui se separam as estirpes.

Quem tem um nível alto de actividade cerebral procura evitar mais estímulos fortes, para não se sentir esmagado pelo excesso de estímulos, são as pessoas sensíveis. Viram-se para actividades que lhes permitam lidar com o imenso volume de estímulos que lhes vêm de dentro, evitam as confusões e grandes multidões. Viram-se para dentro: procuram entender o mundo com base em aspectos interiores - são introvertidos.

Os que têm um nível baixo de actividade cerebral procuram estímulos fortes, festas, confusão e alegria, barulho! Viram-se para actividades que lhes permitam obter estímulos, para não se sentirem vazios, para preencherem o seu interior e se valorizarem. Viram-se para fora: procuram dar sentido ao mundo com base no exterior -são extrovertidos.

Onde está a sua capacidade de frémito? Por dentro ou por fora?

A minha está por dentro. Mas isso não é nada que umas cervejinhas não resolvam quando a ocasião surge...

quarta-feira, abril 26, 2006

Insistência

Voltar atrás, inúmeras vezes, e fazer tudo de uma forma um bocadinho diferente e voltar atrás de novo, até que tudo seja aquilo que é.

Às vezes penso que preciso de viajar no tempo, outras sinto que viajo no tempo, que estou preso num ciclo fixo que se repete indefinidamente, que tudo é sempre o mesmo que é preciso procurar uma saída, que há algo que me está a escapar, algo de essencial para que o próximo ciclo se me possa apresentar. As respostas parecem estar em todos os tempos, menos agora.

Repito os mesmos erros, conscientemente, faço aquilo que já sei que não devia fazer, quase de propósito, como se não interessasse. Onde está a atenção? Já deixei passar mais uma saída, preso numa estrada que vai para onde não quero ir. E as saídas? Onde levarão?

Os ciclos são desgastantes e, quanto mais se repetem menos força tens para te libertares deles. Procuras agarrar algum ponto fixo, alguma referência. Começas a entontecer. E então olhas para baixo.

Lá em baixo tudo parece tranquilo. Lá em baixo, onde se desiste de tudo e se vive o caminho mais fácil, tudo parece em paz. Mas não é verdade. É uma ilusão, uma vertigem: lá em baixo dói.

Lá em baixo as pessoas gritam nas ruas a angústia que lhes atormenta os dias e choram nas esquinas a solidão do seu interior. Lá em baixo é o inferno da queda, de cores garridas e sentimentos violentos, com muito barulho e que acaba num instante, sem tréguas nem redenção.

Olhar à volta, procurar uma vez mais: o que é que é preciso para conseguir sair daqui?

«Como são infelizes! Agitam-se para a frente e para trás sem perceberem que são eles próprios a causa de todos os seus males.» Pitágoras

segunda-feira, abril 17, 2006

Night of the Iguana

«How calmly does the olive branch
Observe the sky begin to blanch
Without a cry, without a prayer
With no betrayal of despair

Some time while light obscures the tree
The zenith of its life will be
Gone past forever
And from thence
A second history will commence

A chronicle no longer gold
A bargaining with mist and mold
And finally the broken stem
The plummeting to earth, and then

And intercourse not well designed
For beings of a golden kind
Whose native green must arch above
The earth's obscene corrupting love

And still the ripe fruit and the branch
Observe the sky begin to blanch
Without a cry, without a prayer
With no betrayal of despair

Oh courage! Could you not as well
Select a second place to dwell
Not only in that golden tree
But in the frightened heart of me»
Tenessee Williams

quinta-feira, abril 13, 2006

O calor da mulher

As águas borbulhantes cintilavam com a luz de um dia de Primavera, deixavam-me perdido em serena contemplação, fluíam vagarosamente - meu rio prateado! - ao longo de margens floridas e insectos esvoaçantes, libélulas e borboletas, cores intensas que me faziam suspirar. Havia em tudo aquilo, em todas as cores e os cheiros que enchiam o ar, uma pureza que era intrínseca ao universo, que me tocava e me transformava por meio daquela paisagem luminosa, embora eu não me apercebesse disso, de tal modo me deixava leve o espírito e solta a mente.

Lá em baixo, à distância de um salto que se fazia demorar, a piscina natural de água doce e espessa, deliciosamente fresca e purificante, aguardava o mergulho. A pele estava quente do sol da tarde e ficava arrepiada só de antecipar o toque gélido da água, as mãos familiares de uma amante, o beijo fresco da vida. O ar perfumado fez-se sentir em todo o seu esplendor de pétalas e de rio, de tarde quente e de Primavera, de campo, de alegria.

O equilíbrio era precário sobre a rocha molhada, de pés descalços e tacteantes em busca de apoio para empurrarem o corpo pelo ar. Os braços nus dançavam em busca de estabilidade. Com um movimento seco e simultâneo, o corpo em prancha atravessou o espaço e foi recebido no meio aquático.

Houve uma explosão líquida, uma mudança de atmosfera que se fez decisiva. O meu corpo foi envolto em vapores líquidos e algas foram serpenteadas por sereias imaginárias à minha volta. E fiz-me rio, fiz-me água e por instantes pensei nunca mais voltar à tona.

Dentro de mim houve uma mudança, uma confusão de ideias, um regresso à origem. Dentro de mim algo foi renovado e ficou inteiro. Algo de indefinido e transitório, algo que esteve sempre lá e que não se diz com uma palavra, foi limpo e ficou brilhante. Algo cujo nome eu não conheço e a que, por isso, chamo de ser, de estar aqui, de estar presente enquanto a existência decorre. Algo a que chamo simplesmente espírito ou alma, eu ou mente, foi redimido. Foi esvaziado de toda a inquietação e de toda a angústia e depois preenchido de amor e compreensão.

Mas quando tu mergulhas comigo e nos perdemos um no outro aprendo a chamar-nos por um só nome e esqueço-me de mim. E quando emergi da água e não estavas ali, pensei que é a tua luz que ilumina o sol e que o faz tão brilhante, que é a tua tranquilidade que serena a água e a faz tão redentora, que é a tua alegria que faz os insectos voltearem e esvoaçarem em busca de néctar. Foi então que soube que não estava só no mundo e que te dei o nome de mulher.

terça-feira, abril 11, 2006

Os jardins suspensos


Criaturas que se beijam à chuva, difusas, de novo no escuro.
No jardim suspenso, silêncio, não fales!
No jardim suspenso ninguém dorme.
No jardim suspenso...
No jardim suspenso a apanhar auras na lua,
as minhas mãos ficam com forma de anjos.
No calor da noite os animais gritam.
No calor da noite a entrar dentro de um sonho...

A cair, cair, cair, cair pelas paredes adentro
A saltar, saltar para fora do tempo
A cair, cair, cair, cair para fora do céu
Tapo a minha cara quando os animais choram
No jardim suspenso...
No jardim suspenso...

Criaturas que se beijam à chuva, difusas, de novo no escuro.
Num jardim suspenso, mudo o passado
Num jardim suspenso a usar peles e máscaras.

A cair, cair, cair, cair pelas paredes adentro
A saltar, saltar para fora do tempo
A cair, cair, cair, cair para fora do céu
Tapo a minha cara quando os animais morrem
No jardim suspenso...
Quando os animais morrem
Tapo a minha cara quando os animais morrem
No jardim suspenso.

The Cure?

segunda-feira, abril 10, 2006

-Oh... Não? Desculpa! Eu pensei que...

-Oh... Não? Desculpa! Eu pensei que... Esquece! Esquece! Tenho de me ir embora...
-Não fiques assim. Eu gosto imenso de ti. Respeito imenso as tuas opiniões e gosto imenso do teu sentido de humor. Fazes-me sentir bem. Mas não acho que haja entre nós esse tipo de energia, entendes?
-Por favor... Não faças isso. Não te desculpes. Não vês como isso é humilhante? Deixa-me em paz.
-Não quero que te vás embora assim. Não podemos ficar amigos?
-...
-Eu queria muito que ficássemos amigos.
-Não vês que quanto mais estivermos juntos pior será? Que a cabeça teima em não entender as palavras e em fazer de contas que o que o coração quer é possível? Que ao pé de ti vou sempre acreditar que é possível?
-Que é possível?
-Bolas! Não vês que não há uma solução pacífica? Que o amor não correspondido é uma violência constante? Que me aniquilarias lentamente? Que não haveria de sobrar nada de mim até toda a tua imensidão estar em mim? E para quê? Para que tortuosamente te fosse expurgando de mim, como uma doença? Amputando as partes de mim demasiado contagiadas? Até ficar apenas os restos, o que sobrasse de mim sem ti?
-Estás a exagerar um bocado não?
-Acho que não. Prefiro começar a fazer isso agora, prefiro impedir que o mal alastre, prefiro matar-te em mim agora.
-...
-Oh, eu sei! Não me entendes. Não consegues compreender. Vais pensar que se trata de uma vingançazinha qualquer, de uma teima de amor-ferido. Estar do teu lado é muito fácil. E muito irresponsável. Devia ser proibido andar por aí a dispensar ternura inconsequentemente. Será que as pessoas não percebem quando estão a escravizar os outros com o seu à-vontade afectuoso?
-Vou-me embora. Tenho pena que penses assim.
-O que nós queremos não é conciliável. Nunca vou deixar de sentir algo de muito especial por ti, mas não posso... Não dá.
-...

Haiku Primaveril

As acácias
Desenham a sua sombra
No rio que passa.

quinta-feira, abril 06, 2006

O estertor de Marat


Com o coração a bater nervosamente partiu da Normandia para Paris.

Lia as "Vidas Paralelas" de Plutarco. Aí se comparavam, duas a duas, biografias de gente famosa. Gregos vs. Romanos. Alexandre vs. César. Gigantes.

Sonhava com coisas grandiosas. Comprou uma faca.

Aproximou-se do homem, do monstro, do assassino que fazia listas de carne para o matadouro, inocentes e culpados, as purgas...

E soube não desviar o olhar quando lhe espetou a faca no peito.

«Matei um homem para salvar 100'000.»

Charlotte Corday. Nem tinha 25 anos.

quarta-feira, abril 05, 2006

Madame Blavatsky

A Blavatsky é o paradigma da época. Foi à Índia e fartou-se de escrever livros. Era tão convincente para a sua altura que gerou todo um culto à sua volta. Juntamente com o Eliphas Lévi deve ter sido das pessoas que mais correntes místicas e associações esotéricas influenciou.
O Fernando Pessoa, que até traduziu um livro dela, começou por ser muito entusiasta de tudo o que ela dizia. Depois desiludiu-se e chamou-a de fraude. No final concluiu: «A Madame Blavatsky é uma embusteira, mas não há dúvida que ela teve contacto com entidades superiores a nós.» Típico! Uma no cravo outra na ferradura!
Dizem que tinha explosões de mau génio em que insultava tudo e todos exibindo o fogo cru da sua natureza russa - um pouco como Ivan, o terrível, que percorria o seu palácio aos gritos e a matar tudo o que se mexia.
É impressionante tomar consciência de quanto daquilo que é a nossa cultura hoje está impregnado do que disse e pensou gente como esta Helena Petrovna Blavatsky.
Pessoalmente, não é das minhas preferidas. Nunca fui muito simpatizante da Teosofia. Mas há sempre alguma coisa interessante a retirar.