quinta-feira, agosto 18, 2005

Luz



A proximidade do prazer é assemelhada à morte da mesma maneira que a proximidade da morte se aproxima do prazer. Parece estranho? Será?

O prazer é um receber em crescendo. É um mais, mais, mais! E depois, uma vertigem de esvaziamento. O momento em que se acabou de ler um livro, de comer um chocolate, de beijar alguém, é uma delícia, pois o sabor ainda paira em nós. De seguida, há um lento retornar ao mundo, uma quebra no maravilhamento, uma pequena morte.

A morte é o fim da possibilidade de usufruir de tudo aquilo que conhecemos. As pessoas que tiveram experiências de quase-morte voltam todas com as mesmas histórias: luz ao fim do túnel, sensação de conforto e familiaridade, alguns até excitação sexual. Faz sentido que o corpo, sentindo a iminência do seu fim, resolva gastar todos os seus cartuchos e produzir a melhor sensação possível, uma espécie de one for the road em versão de neurotransmissores. Por isso se conta dos enforcados que morrem com erecção.

Isto não é nada de novo. Eros e Thanatos. Prazer e Dor. Amor e Morte. Duas divindades gregas que andam sempre de mão dada. Há práticas ou distúrbios em que esta ligação se torna visível: o sadismo e o masoquismo. Prazer na Dor. Dor no Prazer.

Também há momentos mais elevados em que isto se vê... Como estar apaixonado. Estar apaixonado é querer morrer. É querer que tudo o que foi seja modificado em função do amado. É querer ser melhor, ser como o amado goste mais. É querer morrer. E renascer. É sofrer uma alteração em absoluto.

Alteração no sentido em que o que é deixa de ser e algo de inteiramente outro toma o seu lugar. Sai o menino, entra o homem. Sai o inocente, entra o culpado. Alterações.

A morte é a luz. A luz no sentido de que apenas quando a temos em consideração conseguimos atribuir valor a coisas objectivas. Apenas o reconhecimento de que um dia é possível que se torne impossível tudo o que conhecemos, que tudo acabe (obrigado Heidegger!) nos pode conduzir a uma existência real. O Heidegger chamava-lhe existência autêntica. Tudo o resto é ilusão. Construir um império... Para quê? Para quem? Connosco não levamos nada. Talvez nada mesmo.

Só quando sentimos o fio da navalha a correr sobre os lábios, o sabor confuso ao sangue que ainda não corre, só aí, à beira do precipício conseguimos ver o que mais importa.

Não é o mesmo para todos. Cada um tem a sua fórmula. Quando o meu pai morreu eu ia com ele no carro para o hospital. Ele estava ao meu lado e eu ia falando com ele. Nunca houve um momento em que as coisas me parecessem mais claras. Dedicamos tanto tempo ao que não é essencial e tão pouco, tão pouco mesmo, àquilo pelo qual morreríamos... Mais tarde, no leito de morte, diremos, se eu tivesse feito, se eu tivesse, ao menos, tido a coragem de viver, de olhar para aquilo que estava mesmo ao meu lado... Quando falo em verdade é nisto que falo.

4 comentários:

Anónimo disse...

as vezes arrependo-me mais das coisas que não fiz...

Lu disse...

Este texto falou para todas as céculas do meu corpo.
Prazer e morte...

rafael disse...

adorei este texto, óh macaquinha

Anónimo disse...

porque é que agora metem um h no o? oh
e ainda por cima, com h, leva com um acento. óh
nonsense!