sexta-feira, maio 26, 2006

O silêncio da escuridão



O silêncio da escuridão. Lentamente começam a desfazer-se os contornos das formas que te rodeavam. Esqueces-te de onde estás. Começas a estranhar tudo.

A escuridão é uma presença específica. É um olhar para dentro. Abres os olhos no escuro e começas a ver aquilo que trazes por dentro, escondido. O que te esforças por nunca ver passeia-se livremente à frente dos teus olhos. E é enorme. Terrível.

É mil vezes pior do que qualquer realidade, porque agrega em si todas as redes de sentido tenebroso que existem no teu interior. Porque é tudo ao mesmo tempo! E não oferece nenhuma esperança, nenhuma redenção. Estás sozinho contigo próprio.

Só resta gritar ou reunir toda a coragem que tens e esperar que seja suficiente para olhar de frente para esses fantasmas do espírito. E então, tal como nos sonhos, imediatamente se desfazem todos os delírios, desaparecem as assombrações, a razão regressa a casa.

Há quem se tenha perdido nesse silêncio obscuro e nunca tenha conseguido regressar. Há quem vagueie pelos corredores escuros da mente aos gritos, procurando a saída enquanto foge. Só que não há saída que não passe pelos guardiães das trevas, que são os próprios medos.

É preciso muita coragem para olhar para trás, para o indizível.

quarta-feira, maio 17, 2006

O tempo não espera por ti

O tempo não espera por ti. (gritado)

Como se houvesse mesmo a tal invasão dos ladrões de tempo. Como se não pudéssemos baixar a guarda por um único instante. Como se houvesse algo há espera da nossa mais pequena distracção para nos roubar de uma só vez minutos seguidos, horas inteiras!

Como se a uma distracção matinal se sucedesse o momento em que te estás a deitar e pensasses: o que é que aconteceu hoje? Só me lembro de estar a sair de casa...

Como se a um ano se seguisse a década seguinte. Como se te visses ao espelho, envelhecido, e perguntasses: quem é este velho? O que é que aconteceu? Que merda é esta?

Como se aos sonhos grandiosos da adolescência se seguisse o leito da velhice e a angústia: não fiz nada, não vivi...

Como se hoje não fosse hoje e sim, já, o fim da linha.

A vida é hoje. É agora. O tempo não espera por ti. Levanta-te e sai do teu posto de trabalho, do teu apartamento, da tua prisão. Levanta-te e sai para a rua. Vive!

(SAIAM DOS VOSSOS CON.-AP.TOS!)

Só se pode parar para descansar e nunca por muito tempo. A letargia é por onde eles te apanham, os ladrões do tempo.

Não digas: agora não tenho tempo. Vai ser assim toda a tua vida.

Não digas: estou cansado. Vai ser sempre assim.

Lembra-te que vais morrer.

É agora ou nunca.

Tu não tens poder sobre o futuro, esquece os teus projectos. É no presente que vives e só aí podes escolher. Tudo o resto é ilusão.

Se não fores agora, não serás.

É agora ou nunca.

Vive.

O tempo não espera por ti!

quarta-feira, maio 10, 2006

A viagem

Se pintássemos um pontinho no mapa em todos os sítios onde já esteve alguém que conheço, ficaria todo sarapintado.

Começa logo pelos meus avós que deram a volta ao mundo umas três vezes e estiveram em quase todas as capitais de relevo da altura. Ele tinha uma agência de viagens e ela era guia-intérprete: dava para passearem juntos.

Depois durante muito tempo ninguém saiu de Portugal. Só uma vez a minha tia para os Estados Unidos e outra para França.

Então foi a minha vez de começar: Espanha, França, Suiça, tudo de uma só vez (era uma excursão!). Inter-rail até à Turquia. Depois Inglaterra. Muitas vezes. Estados Unidos e Bélgica (em trabalho). Espanha e mais Espanha (Viva la España!). França e Itália (Itália!!!).

Entretanto ouvia relatos que iam desde a Tailândia à Bolívia, do Japão ao Brasil, não esquecendo a Guiné-Bissau e o Senegal, a Noruega e a Bulgária, a Islândia e o Canadá.

Agora, neste preciso momento, conheço gente em Macau, na Venezuela, a ir para a Guatemala (Boa viagem!!!), no Brasil, em Inglaterra (Com dois bebés na barriga!), na Catalunha, em Sevilha e em Madrid (Que noite!), em França, em Florença e em Veneza, no Sudão e na Nova Zelândia, em Timor e nos Açores. Espero não me estar a esquecer de ninguém.

E as histórias são todas lindas e coloridas. Só quando paramos num sítio é que entramos em contacto com o que há de feio no mundo. Ou então quando há guerra. Visto de visita, o mundo é lindo e a natureza rica e fascinante. Há sempre sítios cheios de sol e de árvores, lagos escondidos e de águas límpidas, gente de sorrisos abertos e corações sinceros.

Grande, grande é a viagem.

quarta-feira, maio 03, 2006

Esquerda ou Direita?

No cérebro, à esquerda mora o mundo do particular, dos que dão atenção aos detalhes, dos que desmontam as situações e as analisam, dos que bebem todos os pedaços do néctar da vida, dos que se perdem a saborear uma coisa de cada vez, a diversidade e a riqueza do mundo.

À direita do cérebro, ou seja, da mente, entramos no universal, na procura de padrões e grandes esquemas universais, na busca da integração de tudo sob a luz de uma visão todo-abrangente, na consideração dos vários aspectos de uma mesma coisa, de quem mergulha em situações e, mais do que ver a multiplicidade da vida, contempla a união de tudo.

Na cara é o mesmo. Cada lado da cara reflecte a intensidade com que vivemos as suas particularidades.

Há quem não veja os detalhes, quem nem veja pessoas, casas, animais, carros, coisas. De quem se sinta no mundo e não considere as suas infinitas partes senão como contribuindo para o desenho geral. Da busca obsessiva de padrões. Da tentativa de integração de tudo. Eu sou assim. Quando estou desconfortável, é sempre o lado esquerdo da cara a manifestar-se, o lado menos desenvolvido, o particular, as sensações distintas e a análise esmiuçante

Há quem viva demasiado perto do que vê, pessoas, casas, animais, carros, coisas. De quem viva apenas aquilo que tem ao seu alcance e não conceba uma totalidade, uma união global. De quem se perca a dissecar as coisas uma-a-uma, procurando alguma inconsistência interna, alguma falta de coesão. De quem goste de montar e desmontar coisas, emoções e situações. Quando estão desconfortáveis sentem o lado direito da cara a manifestar-se, talvez num esgar ou sorriso à direita desconfortável, o seu lado mais fraco, a integração de todas as partes, a visão do que não é óbvio.

No entanto, o corpo, por defeito de montagem ou desejo da providência, inverte os valores. Assim, o lado do corpo mais desenvolvido para quem tem a cara e a mente à direita é o esquerdo e vice-versa. No meu caso é visível: vivo à direita, sou canhoto e quando fico desconfortável ou atrapalhado é a face esquerda que se manifesta (sorriso à esquerda ou a mão a mexer na cara).

Se prestarmos atenção, no desconforto dos que vivem a direita, é a mão direita e a face esquerda que se manifestam, por serem regulados pelo lado esquerdo, lado fraco, ponto de ruptura. Os que vivem à esquerda fragilizam-se pela face direita e pela mão esquerda.

Esquerda ou direita?