sexta-feira, outubro 07, 2005

Antemanhã

Uma antemanhã. Um momento sagrado em que tudo parece abrandar quase até à imobilidade total. O rio a reflectir intensamente o sol que nasce, em tons prateados que cegam. A ponte como um enorme animal, estendendo as suas patas até ao outro lado.
O rio está sujo, sob o passeio do tejo, mas acima de tudo está melancólico.
O jardim exala o cheiro das ervas aromáticas desta zona. O alecrim e o rosmaninho dominam. Vejo três pés de rosmaninho arrancados e colocados simetricamente sob a relva húmida.
Ando até ao fim da estacada das gaivotas, onde os pescadores vão pescar, como se invadissem a solidão inquietante do rio que dorme. Ainda não está lá ninguém. Pressinto gente e vejo, realmente, pescadores que se dirigem para ali. Lanço o olhar através do espaço, como um voo de gaivota, passando sobre as encostas da outra margem, dirigindo-me para o sul. O sul, onde está o sul? Depressa...
Num instante, o momento quebrou-se, os pescadores dispõem o seu equipamento e preparam-se para a pesca. Num ímpeto, atravesso o jardim a correr, recuando o rio, como se o estivesse a filmar.
Da praceta para onde me dirijo, o rio fica enquadrado ao fundo, entre o jardim e a outra margem, com a ponte de um lado e o sol em frente. Viro-me de costas e é então que a vejo. Ali, muito vermelha por fora e com um amarelo alaranjado que espreita de dentro, está uma líchia fresca na calçada. Falta-lhe um pequeno pedaço e revela as marcas de dentes muito pequenos. Imagino que tivesse sido um anjo...

1 comentário:

Lu disse...

Parece que também estive lá... :)