segunda-feira, janeiro 30, 2006

Enigma, os dois amantes do amor

De amor, de chuva e de mar, de água, é a ilha da distância
E tu vives lá morrendo de tristeza, de solidão,
Afastada da minha paixão, estiolando, infeliz, amor!

Percorrendo todos os portos do mundo, bebendo o néctar da tua presença,
Dos aromas que a tua pele emana, mordendo os lábios de ansiedade,
Mordendo os lábios de desejo, esperando, amor, encontrar-te a qualquer momento
Vivo os meus dias gelando sem o calor do teu cabelo, sem o teu calor,
O teu beijo que me tape, amor, a boca, que me cale os pensamentos...

De madrugada, levas o teu corpo até à praia, toma-lo, amortecendo-lhe os passos,
Entre as mãos e dizes-lhe que falta pouco, que vou buscar-te, amor!
Então olhas para o mar e lanças uma súplica ao vento,
Vais ficando louca, morando nas dunas, dormindo na areia, esperando.

E eu procuro o teu nome por todos os mares, até escutar na voz suave do vento
O teu chamamento, o amor, amor, que me guia até a ti.

E quando vejo o teu corpo frágil estendido no campo, amor,
Deitado, vibrante, sinto a sede, amor, dos teus beijos,
A paixão faz faísca, morde, agarra, abraça, diz que saudades,
Que saudades, tonto, linda, louco, boba, morde-me, beija-me!

Mergulho na tua lagoa, abri, amor, a tua caixa de pandora,
E já não a quero mais fechar, anda morena, criatura de bosques e sombras
Anda para o coração da terra, de onde brotam orvalhos e outros néctares,
Vou-te descobrir a pele e o amor, vou-te descobrir toda...

Quero ficar aqui para sempre, contigo aninhada nos meus braços, menina,
Morando em campos sonhados e ilhas encantadas
Com as ondas que desafiam orlas impossíveis, costas íngremes,
Mar aberto e as vagas a tocarem a sinfonia mortal do tempo
Enquanto vivemos dos beijos da boca um do outro,
Enquanto ficamos cada vez mais perto, amor...

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Enigma do Amor Implícito Visível

Fazem carícias por toda a parte
Unem as bocas com ânsia e paixão
Sofrendo uma só dor, vénus e marte,
Ardendo na entrega e na fusão...

O inspirar-te assim transcende,
Derruba as barreiras, é sagrado
Orla o nosso enleio, rescende
Sabe a mar, a lágrimas, a fado...

Alcançar tal deleite, paroxismo,
Mergulhar no amor, nessa loucura
Abandonar-me, imerso em ternura

Navegar nas ondas do nevoeiro
Trocar-me por um outro, mais inteiro,
Encontrar o meu destino no abismo...

S.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Novo Enigma do Amor Implícito

 !
Onde dormem os teu cabelos quando estás só?
à tristeza da tua ausência passeia-se sobre mim como quem ri,
Dóis-me e és em mim um lugar inteiro, toda uma parte vazia
Incendiada, queimada, devastada, cheia às vezes de doçura...

Sei-te no espaço, sinto a tua vibração intensa
No cosmos, através do ar, chegando-me em vagas
Entrando por mim adentro como rebentação
Marcando-me como areia molhada, incessantemente.

Inerte, o meu corpo caído na praia espera
Algum destroço que venha dar à costa
Um escolho que me traga um bocado de ti
Saído das profundezas do mar imenso.

Atravessaste a fronteira invisível
Não voltas mais, meu amor, nunca mais...
As cores do arco-íris fazem brilhar as ondas
Vagas rebentam sem cessar sobre a praia.

Lânguido o meu corpo, as ondas que me puxam
Os sons do mar a chamar por mim
Vem, meu filho inocente, vem perder-te
Não vale a pena lutar contra as forças da criação.

E todos os teus momentos que guardo em mim
Saem de uma só vez para o mundo exterior
Onde te vejo, maravilha fantasmagórica,
Nascida das brumas, formada por sombras!

Rimo-nos na nossa loucura, abraçamo-nos,
Amor, damos o beijo que nunca mais daríamos
Mergulhamos um no outro e perdemo-nos do tempo...
O mar parece crescer sobre nós e começa a rugir.

Então a maré começa a subir à nossa volta
Uma gaivota levanta voo em direcção à luz
Que brilha palidamente prateada, misteriosa,
É noite em nós, e a maré a subir à nossa volta.

Trocamos beijos, a água cobre-nos quase completamente
Amamos, um no outro, o fim do mundo

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Ataraxia

Existe um estado de espírito que foi pensado como sendo o melhor para o ser humano. É o estado em que nem os contentamentos e os prazeres agradam demasiado, nem as tristezas e as carências magoam demasiado. Esse é o estado de ataraxia em que o espírito apaziguado nem se apega à felicidade, nem à dor, e vive em tranquilidade e felicidade (ou verdadeiro prazer Hêdonê).

O que acontece, acontece e atravessa cada um. Não permanece em infinitas ramificações interiores, como uma metástase emotiva que fosse deturpando o acontecimento inicial até o tornar disforme e irreconhecível.

Quando algo é demasiado bom, quando gostamos de algo com todo o nosso ser, deixamo-nos levar e, depois, a ausência, o fim, desse algo torna-se tristeza, melancolia, dor, sofrimento.

Quando algo é demasiado mau, deixamo-lo permanecer, revivemo-lo vezes sem conta interiormente, quase de forma masoquista... Queremos ouvir as coisas que mais vão fazer essa dor vir à superfície, procuramo-la como quem procura uma referência numa noite agitada no mar.

Quem vive em ataraxia vive sem sobressaltos e pode-se concentrar mais numa vida de contemplação, meditação ou reflexão filosófica. Quem se entrega de corpo e alma às paixões vive emoções indescritivelmente belas, arde em fogos de grandeza incomensurável, mas queima-se nesses fogos e fica preso a essas paixões. E depois, não se consegue resguardar do sofrimento e entrega-se, também de corpo e alma, a ele.

Se vale a pena? É uma pergunta sem sentido. Cada um tem a sua resposta própria. Eu vou alternando. Ora me entrego totalmente às paixões, ora mantenho um equilíbrio distanciado e me permito a reflexão meditativa. Acho que não era bem isso que o Epicuro tinha em mente...

quarta-feira, janeiro 11, 2006

O tempo fluido

O tempo é o que fizeres dele. Aqui pensamos: passado - que aconteceu? quem sou eu?; presente - o que faço?; futuro - para onde vou? E assim dividimos o tempo em: identidade (colectiva e singular); acção; e projectos. Mas isto não precisa de ser assim!

Os índios Hopi da América Central tinham uma visão do tempo bastante diferente. O tempo dividia-se em Manifestante e Manifestado. O Manifestante incluía não só o que se estava a fazer (presente) mas também tudo aquilo que se pensava e que se pretendia fazer (futuro), incluindo as ideias e os sonhos, toda a vida da mente. Assim que uma acção era concretizada ela acabava e passava a fazer parte do Manifestado. Então pensavam: manifestado - que aconteceu?; e manifestante - quem sou eu? o que faço? para onde vou? E assim podemos dividir o tempo em: identidade colectiva; e identidade singular, acção e projectos.

O tempo fluido, como uma linha que não se parte, apenas dividida para que a possamos melhor compreender.

O interesse desta visão, para mim, é a ideia de que o futuro, os nossos sonhos e projectos, já estão a acontecer. Acontecem em nós, são acções a longo prazo, primeiro interiores e, depois, exteriores. Quando se materializam já estão a morrer.

É como fazer uma viagem: primeiro saboreamos a ideia, imaginamo-nos lá, sonhamos sonhos exóticos e imaginamos aventuras insólitas coroadas por gastronomias delirantes; depois partimos e a partida é um agudizar dessa imaginação, quase como se já estivéssemos lá; quando chegamos, por vezes, sentimos que não conseguimos viver tudo o que tínhamos imaginado, que é demasiado, que não dá para absorver tudo; no regresso, saboreamos a viagem que fizemos como um todo. Nessa totalidade, o papel da expectativa inicial ocupa um lugar muito importante. No regresso, é essa expectativa que nós reflectimos na experiência vivida e que nos faz dizer da viagem: uau!

terça-feira, janeiro 10, 2006

Canto de Mim Mesmo

Visitantes e inquisidores por toda a parte,
As pessoas que encontro, o efeito sobre mim da minha vida anterior ou da comarca e
da cidade em que vivo, ou da nação,
As últimas datas, descobertas, invenções, sociedades, autores, velhos e novos,
O meu jantar, roupa, relações, aparência, cumprimentos, dívidas,
A indiferença real ou imaginada de algum homem ou mulher que eu amo,
A doença de alguém da minha família ou a minha própria, ou as más-acções ou perdas
ou falta de dinheiro, ou depressões ou exaltações,
Batalhas, o horror da guerra fratricida, a febre das notícias duvidosas,
os acontecimentos tempestuosos;
Estas coisas vêm até mim dias e noites e vão-se embora de novo,
Mas elas não me são a Mim, eu próprio.

Afastado do turbilhão está o que eu sou,
Divertido, complacente, compassivo, ocioso, unitário,
Olha para baixo, está erecto, ou dobra um braço sobre um determinado descanso
impalpável,
Olhando com a cabeça descaída para um lado, curioso de ver o que se seguirá,
Tanto dentro como fora do jogo, e observando-o, reflectindo sobre ele.

Para trás, eu vejo nos meus próprios dias, onde eu me debati através do nevoeiro
com linguistas e opositores,
Que não faço troça nem discuto, testemunho e espero.


Walt Whitman

quinta-feira, janeiro 05, 2006

O mar, o bosque

No teu rosto voltado para o mar, na tua respiração feita de fumo,
uma imensa tristeza, sem falar, uma distância dolorosa e sem rumo.
Damos as mãos perante a maré nevoenta e em nós há explosões silenciosas.
Damos as mãos na colina cinzenta e, em nós, tempestades tumultuosas
que envolvem as palavras e paixões, suspiros que nos tumultuam os corações,
despedidas que ficarão por fazer, bocas ansiosas que nunca se beijaram,
silêncios que morrem devagar, sem se ver, perdidos nas colinas que os abraçaram.

Às vezes um cheiro a pinheiro, a resina, que te abraça o corpo de húmus feito,
às vezes um sabor a musgo no teu peito que faz de ti bosque, faz-te árvore-menina.
Corremos descalços pela terra macia, corremos e perdemo-nos, o sangue nas veias
Os corpos e as árvores envoltos em teias que a paixão teceu com o luar na noite fria.
Quando chegarmos à clareira vou-me perder vou cair no teu olhar de alecrim
Vou abandonar tudo o resto e, então, morrer... Quando nos vierem procurar
apenas uma flor na terra, apenas uma sombra a esvoaçar...

terça-feira, janeiro 03, 2006

Ao fechar os olhos...


Ao fechar os olhos começo a ver, pois todo o dia eles passam por coisas sem esplendor mas, quando eu durmo, em sonhos, eles voltam-se para ti,e obscuramente iluminados vislumbram a luz na escuridão.

E tu, cuja sombra as sombras ilumina... Como a forma da tua sombra tornaria alegre o dia claro com a tua luz muito mais clara quando, para estes olhos que não vêem, a sua penumbra brilha tanto!

Como os meus olhos seriam feitos de benção ao olhar para ti perante o dia luminoso, quando, mesmo na noite morta, a tua bela sombra imperfeita fica nos meus olhos fechados através do sono pesado!

Todos os dias parecem noites até eu te ver, e as noites são dias brilhantes quando os sonhos te trazem a mim.

Shakespeare

A Fonte

No éter silencioso há um ponto invisível que marca o início de um novo ciclo. Rodamos sobre o nosso eixo através do espaço sideral e nunca largamos a mão do sol, para não nos perdermos. É como um passeio no parque. As estrelas são as árvores e as flores que nos demoramos a observar, o sol é o pai paciente que espera que estejamos prontos para continuar o passeio e nós, do coração do nosso planeta azul, somos a criança inocente, que não sabe o que faz no mundo tão imenso...

Novo ciclo, mudança, voltar ao trilho, seguir a luz, parar e recomeçar.

O tempo é como uma fonte de água fresca, sempre a jorrar experiências novas e refrescantes. E eu deixo-me levar pela água, rio abaixo, seguindo o curso da fonte, percorrendo os caminhos do tempo, cumprindo o que tem de ser.

Não vale a pena lutar contra a corrente. A melhor maneira de evitar aquilo que não queremos é ir na sua direcção, desarmados, de sorriso na cara, e cumprimentá-lo respeitosamente, passando-lhe ao lado: água a fluir no rio.